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18 de jun. de 2012

Na terra do coração

Passei o dia pensando - coração meu,meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão,uma coisa. Ficou só som-cor,ação - repetido,invertido- ação,cor - sem sentido - couro, ação e não. Quis vê-lo, escapava. Batia e rebatia,escondido no peito. Então fechei os olhos,viajei. E como quem gira um caleidoscópio vi:
Meu coração é um sapo rajado,viscoso e cansado,à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe.
Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham. Roidas de traça, amareladas de tempo,faces desfeitas,imóveis,cristalizadas em poses rígidas para o fotógrafo invisivel. Este apertava os olhos quando sorria. Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça. Eu viro as folhas,o pó resta nos dedos, o vento sopra. Meu coração é o mendigo mais faminto da rua mais miserável. Meu coração é um ideograma desenhado a tinta lavável em papel de seda onde caiu uma gota d'água. Olhando assim, de cima, pode ser Wu Wang, a Inocência. Mas tão manchados que talvez seja Ming I, o obscurecimento da Luz. Ou qualquer um,ou qualquer outro : Indecifrável. Meu Coração não tem forma,apenas som. Um noturno de Chopin (será o número 5?) em que Jim Morrison colocou uma letra falando em morte, desejo e desamparo,gravado por uma banda de punk. COuro negro,prego e piano.
Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas,cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos,centauros gays e virgens loucas de todos os sexos.  Meu coração é um traço seco. Vertical,pós moderno,coloridíssimo de neon. Meu coração é um entardecer de verão,numa cidadezinha à beira mar. Meu coração é um anjo de pedra com asa quebrada. Meu coração é um bar de uma única mesa. Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores,é saboroso de todos os sabores, quem dele provar será feliz para sempre. Meu coração é uma planta carnívora morta de fome. Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, Meu coração é um poço de mel.
Faquir involuntário,cascata de champanha,púrpura rosa do Cairo,sapato de sola furada,verso de Mário Quintana,vitrina vazia,navalha afiada,figo maduro,papel crepom,cão uivando pra lua,ruína,simulacro,varinha de incenso. Acesa,aceso - vasto, vivo : meu coração teu.


Esse foi um pequeno texto dos autores mais amados pelos jovens Caio Fernando Abreu retirado do livro Pequenas Epifanias.
E ai galera, como é o coração de vocês? Comentem!
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